domingo, 24 de maio de 2009

Faerie (parte 2 de 2)

Sei que faz tempo, mas prometi que traria a segunda e última parte de Faerie (que, para ser sincero, tenho dúvidas quanto ao título. Pensava em nomear esse conto "Isabela e o Cavaleiro". O que vocês acham?). É uma história bem menos séria e mais divertida (creio eu) do que o habitual. Acho que é por isso mesmo que gosto tanto dela. Foge um pouco do meu tradicional, apesar de ainda manter a identidade.
Bom, espero muitos comments (sem pressão, hem?). hehehe

Faerie... 2


De volta ao palácio com o menino e a menina, já despertos, os servos não perderam tempo em levá-los diretamente à presença de Oberon e Titânia. Ao longo dos corredores percorridos, passaram por paredes decoradas por uma coleção infindável de cabeças penduradas, uma visão normalmente terrível e apavorante; mas estavam tão bem distribuídas, dispostas de forma tão clara e agradável que dava até vontade de ficar olhando… Mas não podiam. O rei e a rainha tinham pressa: exigiam música já – e degola em breve.
Os dois irmãos, então, viram-se em frente às figuras mais importantes do outro lado da neblina, Rei Oberon e Rainha Titânia, altos e belos, igualmente cruéis. Há centenas de anos um ser humano não punha os pés naquele palácio, e lá estavam eles, prestes a cantar por suas cabeças. Ambos governantes sentados, esperando pela apresentação, e os irmãos entreolharam-se. "Está pronto?", um perguntou ao outro.
"Cantaremos a história de Isabela e o Cavaleiro."
Silêncio.
"Ahem…”

Isabela mirava da janela as flores
que refletiam em si do sol os raios,
e o cavaleiro tocava em sua harpa as dores.
Era a primeira manhã de maio.

‘Ah, Cavaleiro, se eu pudesse ao menos tê-lo,
no meu doce colo a tocar’, disse a bela donzela,
admirando o mar.

‘Só de ouvir esse desejo,
que posso eu se não fazê-lo
com cada ar que respirar?
Tu, que és tamanha beldade,
atende-me nesta vontade:
Vem comigo a cavalgar’.

E ao som daquela melodia
Isabela notou que não podia
àquele desejo resistir.

Subiu então no seu cavalo,
com o cavaleiro ao lado,
para, com ele, partir.

Chegando à margem da floresta,
entraram por uma clareira deserta
E o cavaleiro rosnou o seu bramido:

‘Isabela, Isabela,
Chegamos ao lugar de teu último suspiro.
A próxima vítima serás da minha clava.
Pois as minhas últimas sete esposas,
Matei-as todas. E tu serás a oitava. ’

‘Piedade, piedade, tenha o senhor de mim.
Minha família ainda pretendo ver,
se possível antes do fim.
Deve estar cansado, por isso eu lhe imploro
Deite a espada no chão, e a cabeça no meu colo. ’

Ela acariciou o seu cabelo, fazendo o sono surgir.
E com um pequeno feitiço, botou-o logo a dormir.

E o cavaleiro caiu num sono profundo,
sem reparar por um segundo no plano de Isabela.
Ela pegou sua espada torta,
que de tantas princesas mortas,
já brilhava com sangue azul.
E num movimento certeiro, decapitou o cavaleiro
que morava na floresta ao Sul.

Levantando-se da poça ensangüentada,
nossa donzela aprisionada, mirou o morto e falou:

‘Se sete princesas você aqui matou,
Seja delas o marido, já que sua não sou. ’



Quando terminaram de cantar a balada, os dois irmãos olharam ansiosos para o rei e a rainha, esperando o veredicto. Os soberanos, no entanto, sequer esboçaram reação; voltaram-se um para o outro e passaram a conversar em cochichos. Foi uma troca breve de palavras, mas o tempo parecia distender-se e desprender-se, transformando minutos em horas e momentos em eterna agonia de espera.
Enfim, depois de conjeturar, Lady Titânia levantou-se e começou a aplaudir.
“Parabéns”, ela disse, deixando as crianças em estado de euforia, “meus fiéis hobgoblins. Fizeram exatamente o que eu lhes ordenara. Trouxeram-nos dois menestréis belos como o orvalho e que, claramente, pouco entendem de música.”
“Nada”, completou Oberon.
Os murmúrios de comemoração dos servos já se pronunciavam no salão, extasiando os súditos de Faerie com mais um espetáculo de decapitação a se seguir, até que a rainha voltou a se pronunciar:
“Contudo, existe algo na canção proferida que me tocou profundamente.”
“Seria a decapitação do cavaleiro, minha rainha?”, perguntou-lhe Oberon.
“Certamente. Portanto, poupar-lhes-ei a vida para que possam apresentar-se dignamente aos outros membros da corte”, e os olhos dos dois jovens encheram-se de alegria. “Agora”, prosseguiu a rainha, “terei de tomar uma decisão que muito me aflige. Chegamos ao fim desta semana e ainda não tenho as duas cabeças que me faltam. Não me resta outra alternativa senão sacrificar meus fiéis hobgoblins em nome da estética”, e ela apontou o pequeno grupo – não mais que doze – que havia lhe trazido os humanos. “Alguém há de oferecer a estes pobres servos uma arma.”
Da multidão que assistia à cena, uma espada foi lançada.
“Ótimo”, continuou Titânia. “Aquele dentre vós que me trouxer a cabeça de outros dois será devidamente recompensado. Os restantes serão enforcados”, e foi dada a sentença.

Durante as próximas duas semanas, os irmãos apresentaram-se diariamente para toda a corte de Faerie, recitando sua famosa balada: Isabela e o Cavaleiro. Tocaram diante de uma miríade de espíritos da terra, do céu, da água, do ar, e de outros tantos elementos que só existem além da neblina.
Ao fim daquele período, a senhora Titânia, um tanto contrariada, concedeu-lhes a liberdade, desfazendo o feitiço que os prendia ao seu reino. Depois de sua última apresentação, receberam do rei algumas frutas e um “boa sorte” e puseram-se a caminhar. Sem muita demora, chegaram aos Ermos e atravessaram a névoa.
Do outro lado, a noite avançava às pressas, e algumas estrelas já brilhavam no céu. Guiando-se por velas acesas na escuridão, os irmãos trilharam o caminho noite adentro até chegaram à sua vila.
Qual não foi sua surpresa ao perceberem como ela havia mudado depois das duas semanas que haviam passado em Faerie. Algumas casas foram construídas, outras derrubadas, a grama cresceu, e as estradas se multiplicaram.
Perdidos devido às recentes modificações no relevo de sua vila, os irmãos moveram-se ansiosamente por entre as construções, até que enfim encontraram o caminho de casa. Como as crianças que eram, correram esperançosos gritando por sua mãe, chorando pelo fim de sua jornada.
Contudo, quando estavam mais próximos de seu lar, notaram que sua casa estava em ruínas. Duas árvores de Ipê haviam crescido do lado de dentro e destruído o telhado e as janelas. Perguntando pelos arredores, os irmãos descobriram que os antigos moradores daquela casa já haviam se mudado fazia muitos anos.
Chocado com a descoberta, o irmão só conseguiu pensar em uma coisa para salvar a si e a sua irmã. Pôs o seu chapéu no chão e começou:
‘Isabela mirava da janela as flores…

quarta-feira, 20 de maio de 2009

De haikais

Como eu havia dito anteriormente, estava preparando um post sobre haikais. A ideia é fazer do blog algo mais do que um simples mural de histórias. Essa - e a discussão constante acerca do fazer tradutório - é uma das tentativas nessa direção.
Sei que o texto está longo e um tanto pesado, mas condensei como pude um tema dessa grandeza e magnitude.
Aproveitem a leitura!

Haikai
A poesia tradicional japonesa pode ser metricamente reduzida a seqüências de cinco e de sete sílabas, e mesmo a prosa cadenciada das narrativas poéticas mantém, como base rítmica, a alternância desses metros fundamentais.
Na poesia das antologias imperiais dos séculos X e XII, há fundamentalmente duas espécies de poemas: os naga-uta ou chôka (poemas longos), que alternam os versos de cinco e sete sílabas sem limite fixo, terminando por um dístico 7-7; e os tanka (poemas curtos), compostos no seguinte esquema: 5-7-5-7-7. A divisão que se tornou clássica (no que concerne o tanka), temos um terceto de versos imparissilábicos e um dístico parissilábico: 5-7-5/7-7. Essa observação é importante porque essa primeira estrofe é que vai, mais tarde, constituir o que usualmente designamos por haikai.
No exemplo a seguir pode-se observar a tal segmentação:

Minha velha aldeia
Sob as folhas vermelhas caídas
Aos poucos vai desaparecendo:
Nas samambaias do beiral
Como sopra o vento do outono!

Minamoto no Toshiyori (1055-1129)

No tanka, é raro que a relação entre as estrofes apresente um claro nexo lógico, sendo preferido o uso de justaposição direta de imagens (de alguma forma complementar) ou um breve comentário ou exemplificação do clima geral estabelecido na estrofe de cima. Dado que os poemas eram desenvolvidos quase que exclusivamente no ambiente da corte, esse esquema tópico/comentário permitiu e mesmo incentivou que duas pessoas desenvolvessem o tanka: uma encarregada pelo terceto 5-7-5; e outra pelo dístico 7-7.
A composição dialogada de um mesmo tanka, por sua vez, acentuou a independência das duas secções do texto, e os mestres do novo gênero – chamado renga (canto interligado) – enfatizarão que a beleza desse tipo de poesia reside principalmente no encadeamento das partes e na relação que pode ser estabelecida por elas.
A composição de tanka por pessoas diferentes tornou-se, na Era Kamakura (1186-1339), uma das principais atividades de salão da aristocracia medieval japonesa e o veículo por excelência do namoro cortesão.
Como poesia palaciana, a partir do século XIV foram estabelecidas inúmeras regras para a elaboração dos poemas, das quais as mais importantes para nós são as que se referem à primeira estrofe – o hokku –, pois elas continuam vigendo no que hoje conhecemos como haikai. O hokku deveria basicamente: ser uma estrofe longa, composta de dezessete sílabas; conter sempre uma referência à estação do ano e ao lugar onde se realizou a sessão; e ser sintaticamente completo, independente da estrofe seguinte. As outras estrofes, é claro, também conhecem diretrizes rígidas, como: aparecimento da lua em determinada estrofe, à primavera não se consagram menos de três estrofes consecutivas, certas palavras não se deveriam repetir a não ser após determinado intervalo, etc.
À medida que se esterilizava como mera atividade cortesã, o renga clássico começou a ser substituído nos meios externos à corte por um tipo de poema coletivo que, embora utilizando a mesma forma, elimina a maior parte das regras complicadas, admite o uso de palavras de origem chinesa, e se compraz no trocadilho, no dito espirituoso, no humor. Esse gênero, denominado haikai-renga (versos ligados “cômicos”, divertidos, informais) ganharia popularidade principalmente entre a ascendente classe dos comerciantes, mas seria também praticado entre soldados, monges e, até, entre nobres, em momentos em que a etiqueta da corte não imperasse.
Daí surgiu o haikai, difundindo-se pelos principais centros urbanos do país, em breve ganhando mestres e desenvolvendo tendências divergentes, que seriam mais tarde aglutinadas em “escolas” ou “maneiras”.

terça-feira, 12 de maio de 2009

De volta...

Olá a todos, e perdão pela demora. Acho que já está na hora de voltar.
Eu estive muito atarefado recentemente (quem me acompanha no twitter sabe que, além de trabalhos, tenho acompanhado o Grêmio e jogado Chrono Trigger, o que consome tempo...)
Eu havia prometido à Adri um update até, no máximo, ontem. Evidentemente, as coisas não sairam como planejado. Pelo menos deu tempo de o pessoal ver o meu design novo e comentar. hehehe
Bom, eu sempre tenho planos de dar grandes e demorados discursos acerca de tradução ou de outro tópico, a cultura japonesa (para quem não sabe, sou um estudante de Tradução- ênfase em Português-Japonês! Fez sentido agora, né?).
Estou preparando um pequeno post sobre haikais, aliás (inspirado no site http://www.flor-de-gelo.blogspot.com/, da minha amiga e companheira blogeira, Gerusa Leal!).
Contudo, neste momento, eu decidi fazer apenas um comentário sobre algo que, já faz algum tempo, vem me incomodando. Por que, em traduções, as pessoas dizem que o tradutor não pode interpretar errado o original? Afinal, interpretar já implica uma leitura própria, única, que tem a ver com a pessoa que está lendo/vendo/ouvindo. Não é assim que fazem nas músicas? A nona sinfonia, interpretada pela orquestra sinfônica de Porto Alegre, por exemplo (perdoem-me, músicos...). A interpretação já implica outra leitura, como algo parecido, porém diferente. Uma releitura, por assim dizer, do que foi feito.
Pois, na tradução, se dá o mesmo. É uma leitura que o tradutor faz da obra original. Por que, então, desse “auê” todo para cima do tradutor?
Bom, podemos já começar desmentindo o meu exemplo sobre música. Por mais que você possa ouvir uma música antiga interpretada por um artista novo, você ainda tem acesso à música antiga. No caso da tradução, o público em geral só tem acesso à obra traduzida, à nova interpretação. Mas eu cheguei também a conclusões próprias. Uma delas vem da própria educação que nós recebemos no colégio.
Lá, aprendemos o modo “certo” de interpretar Machado de Assis, José de Alencar, Guimarães Rosa, etc. Aprendemos que a obra se interpreta assim, e ponto final. Portanto, se só há uma interpretação, só deve haver, também, uma tradução. Só há um jeito de se interpretar, todo o resto não passa de um desvio.
Porém, o que devemos lembrar é o seguinte: o texto original é hermético, fechado, difícil e inacessível para os leitores daqui. É trabalho do tradutor, por outro lado, torná-lo aberto, fácil e acessível. O dever dele é, justamente, mudar o texto original para que seja bem compreendido em sua língua. Se ele não mudar o texto, ele continuará hermético, difícil etc. Além do que, em 100% dos casos, uma tradução ruim é melhor do que não haver tradução.
Pensem nisso...

sexta-feira, 1 de maio de 2009

Pequena Mudança

Faz algum tempo que eu tinha vontade de mudar o design do blog, e devido a sucessivas intimações e pressões de pessoas próximas a mim (Siane, estou olhando pra você!), resolvi que era hora de fazer algo a respeito.
Ainda não sei se é esse o modelo, acho que ainda vou trabalhar com as cores, mas acho que o design ficou melhor, mesmo. Algo mais limpo, menos sombrio, mais claro e alegre (e o que é a vida sem uma pitada de cor, não é verdade?).
Espero que aproveitem o feirado.
Ah, antes que eu esqueça, criei uma conta no twitter. Eu estou logado como ma_almeida.
Quem quiser me encontrar, é só procurar (e me ensinar a usar esse troço. hehehe)
Bom feriadão a todos.