quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Mito da criação (parte 5 - Versão 2.0)

Pode ser estranho vir aqui para ler o mesmo "capítulo" de antes, mas a verdade é que ouvi meus leitores (uma em especial, Marina) que me mostrou como estava confusa a ligação que Jonathan fazia entre uma coisa e outra. Reli o trecho e decidi que ela estava certa. Não busquei esclarecer excessivamente, mas ao menos colocar mais imagens metafóricas (além de mitos da criação, de fata. Alguém consegue adivinhar quais são?) de sexo e criação. Além, é claro, de ter feito pequenas alterações em outras partes para tornar a leitura mais agradável.
Bom, espero poder, na segunda-feira, retomar o ritmo. Em breve, terei alguns outros trabalhos de tradução, mas enquanto isso, tentarei me adiantar no conteúdo do conto, que está chegando ao fim. Espero...

Mito da criação... 5.2

Palavra por palavra, as almas iam encerrando-se com vagar. Suas vozes eram como uma melodia irreconhecível, soando grave e agudo, alto e baixo, em dezenas de tons, seguindo um ritmo próprio e individual.
Páginas e mais páginas haviam se enchido com as lágrimas escuras de pessoas que nunca existiram. De seu futuro, um perfume negro exalava, tomando conta do ambiente e decorando a escrita. Cada expressão usada, cada ação narrada, era uma alma que deixava este mundo para retornar ao papel, agraciando o enredo com sua essência.
Havia, no entanto, uma que recusava a silenciar. Ao contrário, quanto mais de sua história era contada, mais ela erguia a voz, materializando-se diante de Jonathan. Seus lindos cabelos negros escorriam em ésses sibilantes, seus olhos escuros em forma de ós, e suas longas pernas estendiam-se em éle por linhas adiante.
Seu nome era Célia Reimblanc, filha de Gerard e Marie, irmã de Sophie, Clara, Vera e Jean-Luc. Nascera 23 anos antes, em Paris; e sua voz melodiosa, Jonathan descobriu, tinha poder sobre Christian e toda sua fúria. Ele parecia hipnotizado pelos trejeitos daquela mulher – os gestos, os olhares, sua aura meiga e gentil.
Mas onde haveriam eles se conhecido? Enquanto se questionava a respeito, Jonathan pensou discernir, por entre suas dúvidas, uma igreja. Ainda um tanto incerto, passou a descrevê-la em vitrais, bancos, rezas, castiçais, senhores, senhoras e crianças, santos, batinas, dízimo, pobreza e bonança. Em meio a seu texto, conseguiu encontrar a fé em Deus e a esperança, essa eterna busca pelo inalcançável que tanto nos move. Mas nada de Célia e Christian.
O autor apurou os ouvidos e concentrou-se em seus personagens, tentando encontrar pistas sutis que indicassem aquilo que estava procurando – a origem daquele caso desconhecido entre suas criações. Mas como foi que ele e Julia haviam começado?

Do lado de fora, o sol nascia sem pressa; seus raios eram braços que se espreguiçavam, erguendo-se e esticando-se após despertar. Subindo devagar, parecia bisbilhotar o trabalho de Jonathan em seu processo criativo, surgindo sorrateiro pela janela, invadindo o recinto pouco a pouco. Como uma criança que faz algo proibido, a claridade ergueu-se de pouquinho em pouquinho, certificando-se de que não havia ninguém por perto.
Dentro do cômodo, Jonathan sentia uma terrível dor no pulso, e um desejo irremediável de conhecer seus personagens. O sol era apenas uma companhia – silenciosa e agradável – enquanto ele realizava seu trabalho. Não aquele ao qual teria de comparecer dentro de três horas; o real trabalho, de criar e desvendar mundos, dar vida e essência ao barro, erigindo uma civilização com um objetivo claro como piche. Um monumento alto e robusto, uma lança a penetrar o mar, de cujas gotas surgiriam ilhas; um gigante cujo suor faria nascer homens; uma vaca cujo leite acenderia alimentaria o fogo da criação. Era ele um deus, um membro forte e penetrante nas reentrâncias do mundo, e sua imaginação era seu gozo.
Cada símbolo no papel era uma folha. Uma palavra, um arbusto. Unidas em blocos, eram bosques. E viriam pedras, e fontes e lama e vento e céu e sol – essa luminescência preciosa – e lua e noite e barro. E vida. Sua criação em breve estaria completa, habitada por criaturas de sonho e poder; eram tantas as possibilidades.
E foi então que ele percebeu. Juntando as pistas – haviam elas existido de fato? – ele acordou de seu transe divino e correu até o banheiro para buscar a evidência. Onde estava? Procurou pela pia, na privada, pelo chão. No lixo. Como suspeitava. Ele criara vida, sim.
Julia estava grávida.

terça-feira, 13 de janeiro de 2009

Mito da criação (parte 5)

Em primeiro lugar, perdão pela demora!
Pronto, falei. Agora que tiramos isso do caminho, cabe dizer que tenho pensado muito a respeito do blog, e eu gostaria de transformá-lo em algo mais do que somente um espaço em que eu coloco meus textos e fico esperando comentários. Foi graças ao blog que conheci outros blogueiros muito legais e que hoje acompanho (apesar do lixo ser meio que a norma geral da web, ainda assim tem gente com conteúdos muito bons por aí. Não desistam), e gostaria de tornar o meu algo mais cultural; ter um objetivo algo mais nobre.
A primeira coisa que me passou pela cabeça - já que estou tendo aulas disso - é retomar o assunto da tradução ou do Japão (e quem sabe os dois juntos, não?), que foram tópicos sobre os quais eu gostei muito de escrever e de ouvir (ler) pessoas falando a respeito. Nesse caso, se houver alguém aí (ou já me abandonaram?) e quiser citar algo que queira discutir saber, ou que gostaria de me pedir para traduzir algo (em inglês e em francês fica mais fácil pra mim, mas dependendo do nível, posso tentar o japonês também), me mande um comentário. Vamos "evoluir" o blog. Evolve or die, as they say.
Também estive pensando acerca dos rumos que "Mito da Criação" está tomando - que são completamente distintos do que eu tinha pensado no começo - e no que fazer a respeito. A história, por mais "dirigida" que seja, tem vida própria, e essa já escapou ao meu controle. De repente tenho que dar uns tapas nela pra mostrar quem é que manda. Hoje, aliás, ela deu uma guinada que eu não esperava (apesar de, vendo agora, parecer um tanto óbvia). Espero que a metáfora seja bem entendida.
E então, depois de ficar jogando informação "à la loca", eis:

Mito da criação... 5

Palavra por palavra, as almas iam encerrando-se uma a uma. Suas vozes eram como uma melodia irreconhecível, soando grave e agudo, alto e baixo, em dezenas de tons, seguindo um ritmo próprio e individual.
Páginas e mais páginas haviam se enchido com as lágrimas escuras de pessoas que nunca existiram. De seu futuro, um perfume negro exalava, tomando conta do ambiente e decorando a escrita. Cada expressão usada, cada ação narrada, era uma alma que deixava este mundo para retornar ao papel, agraciando o enredo com sua essência.
Havia, no entanto, uma que recusava a silenciar. Ao contrário, quanto mais de sua história era contada, mais ela erguia a voz, materializando-se diante de Jonathan. Seus lindos cabelos negros escorriam em ésses sibilantes, seus olhos escuros em forma de ós, e suas longas pernas estendiam-se em éle por linhas adiante.
Seu nome era Célia Reimblanc, filha de Gerard e Marie, irmã de Sophie, Clara, Vera e Jean-Luc. Nascera 23 anos antes, em Paris; e sua voz melodiosa, Jonathan descobriu, tinha poder sobre Christian e toda sua fúria. Ele parecia hipnotizado pelos trejeitos daquela mulher – os gestos, os olhares, sua aura meiga e gentil.
Mas onde haveriam eles se conhecido? Enquanto se questionava a respeito, Jonathan pensou discernir, por entre suas dúvidas, uma igreja. Ainda um tanto incerto, passou a descrevê-la em vitrais, bancos, rezas, castiçais, senhores, senhoras e crianças, santos, batinas, dízimo, pobreza e bonança. Em meio a seu texto, conseguiu encontrar a fé em Deus e a esperança, essa eterna busca pelo inalcançável que tanto nos move. Mas nada de Célia e Christian.
O autor apurou os ouvidos e concentrou-se em seus personagens, tentando encontrar pistas sutis que indicassem aquilo que estava procurando – a origem daquele caso desconhecido entre suas criações. Mas como foi que ele e Julia haviam começado?

Do lado de fora, o sol nascia sem pressa; seus raios eram braços que se espreguiçavam, erguendo-se e esticando-se após despertar. Subindo devagar, parecia bisbilhotar o trabalho de Jonathan em seu processo criativo, surgindo sorrateiro pela janela, invadindo o recinto pouco a pouco. Como uma criança que faz algo proibido, a claridade ergueu-se de pouquinho em pouquinho, certificando-se de que não havia ninguém por perto.
Dentro do cômodo, Jonathan sentia uma terrível dor no pulso, e um desejo irremediável de conhecer seus personagens. O sol era apenas uma companhia – silenciosa e agradável – enquanto ele realizava seu trabalho. Não aquele ao qual teria de comparecer dentro de três horas; o real trabalho, de criar e desvendar mundos, dar vida e essência ao barro, erigindo uma civilização com um objetivo claro como piche.
Cada símbolo no papel era uma folha. Uma palavra, um arbusto. Unidas em blocos, eram bosques. E viriam pedras, e fontes e lama e vento e céu e sol – essa luminescência preciosa – e lua e noite e barro. E vida. Sua criação em breve estaria completa, habitada por criaturas de sonho e poder; eram tantas as possibilidades.
E foi então que ele percebeu. Juntando as pistas – haviam elas existido de fato? – ele acordou de seu transe divino e correu até o banheiro para buscar a evidência. Onde estava? Procurou pela pia, na privada, pelo chão. No lixo. Como suspeitava, lá estava. Ele criara vida, sim.
Julia estava grávida.