segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Mito da criação (parte 3)

Perdão pela demora para atualizar o blog. Infelizmente, tive problemas de order profissional/pessoal/estudantil/...
De qualquer modo aos (poucos) que seguem o blog, eis aqui a terceira parte do conto.
Aproveitem:

Mito da criação... 3

A escrita jorrava de seus pulsos, descrevendo meticulosamente toda a ação que se desenrolava à sua frente. Homens lutavam, brandindo ferozmente suas espadas, envoltos por uma cortina de tinta que demorava a se abrir.
Jonathan percebeu que a velocidade com que escrevia não era a mesma com que a luta ocorria. Quando descrevia a morte do segundo cavaleiro, outro já agonizava no chão, implorando uma chance a mais a seu criador. Parecia pedir que o deixasse viver, que reeditasse a cena, tornasse-o o herói. Qualquer coisa.
Mas ele não entendia. Não era Jonathan o criador, era ele o narrador. A história era inevitável e implacável. Ela tinha de ser assim. Com um pesar nos olhos, Jonathan assistia quando mais um caía, trespassado pela lâmina de seu inimigo.
Quando ele enfim terminou de descrever o evento é que se deu conta que havia perdido quatro filhos àquela noite; os únicos que restavam de pé eram Christian e Adahn. Exatamente como ele previra. O herói e seu vilão. A Quimera de Belerofonte.
A tensão era palpável, e Jonathan conseguia senti-la no ar, que se tornara repentinamente pesado e austero.
A porta do escritório bateu atrás dele. Estava trancado. Sozinho com sua criação. Iriam lutar? Digladiar-se até que algum deles cedesse? Ou morresse? Ele precisava fazer alguma coisa. Impedir a autodestruição de seus personagens. Ao menos por enquanto. Não havia chegado a hora.
Ele, que fora tão impiedoso com seus outros filhos, suas outras idéias, batia-se agora para pensar em algo para salvar esses dois.
Pela janela diante da escrivaninha, vislumbrou a noite que havia surgido – quando? – e os postes que tentavam iluminá-la. Sem sucesso. Aquela luz fraquejante não era páreo para as sombras. Não agora.
De repente, a um canto, discerniu o vulto de um de seus personagens – qual deles? – disparando pela floresta. Jonathan levantou-se tão rápido quanto pôde e partiu em perseguição. Ele precisava impedir que tudo terminasse agora.
Estrelas soltas esforçavam-se em brilhar em seu caminho, mas a copa das árvores formava um telhado de trevas. Adiante, galhos de um lado e de outro da estrada – que estrada? uma trilha? – formavam um portão. Seria aquela a passagem de entrada ou de saída?
Mais um vulto. Dessa vez, atrás do sofá, no canto do escritório. Lentamente, Jonathan dirigiu-se para o local.
Nada.
Poeira, na verdade. Ele tinha de varrer. Depois. Mais tarde. Amanhã.
Sentou-se novamente e ficou olhando para a parede, remoendo-se. Olhou para a próxima página e notou que ela estava marcada por uma mancha escura. Sangue de alguém havia vazado e pingado. Tinha gosto de café.
Tomou a caneta em mãos e tornou a verter a história. Ela precisava ser contada. Christian e Adahn. Adahn e Christian. Seu herói não tinha chance.
O autor debruçava-se sobre o papel, escrevendo o mais rápido que podia, tentando acompanhar o movimento frenético dos dois combatentes. A luta era injusta. Desigual. Adahn levava ampla vantagem, e havia desarmado Christian. Nesse ponto, Jonathan simplesmente largou sua caneta, sua lapiseira, sua borracha, seu laptop, seu caderno, tudo, e pôs-se a assistir. Adahn estava de pé sobre um herói escorraçado, movendo seus lábios num sorriso malicioso. Quando ele tomou sua espada e lançou-a contra Christian, num movimento último, o telefone tocou.
Jonathan, assustado, levantou-se e atendeu. Era sua namorada, que havia ligado para avisar que iria dormir na casa dele hoje. Chamariam pizza.
Quando ele desligou o telefone, voltou o seu olhar para o caderno, ansioso pela conclusão. Mas não viu mais nada.

2 comentários:

. disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
. disse...

Estou adorando este teu projeto. Um dos melhores até agora (eu não paro mais de dizer isso, mas a questão é que o senhor está evoluindo, o que posso fazer....?).

Muito boa a colocação do menino não ser o escritor, mas sim o NARRADOR da história, fazendo juz ao título desse conto/novela/experimento. Genial tbm aquele trecho em que, em meio àquele turbilhão todo, ele vê o pó e pensa "tenho que varrer mais tarde", pq eh assim que funcionamos, o mundo ainda existe ao nosso redor enquanto escrevemos, por mais que não pareça às vezes.

E que problemas são esses de ordem estudantil/profissional, hein moço?

bjs