domingo, 14 de dezembro de 2008

Mito da criação (parte 2)

Seguindo a programação, aqui vai a segunda parte do conto. E sem muito preâmbulo.
Divirtam-se!

Mito da criação...2

Perambulando pelo ínterim de sua invenção, Jonathan coletava todas as informações que precisava, complementando-as com pinceladas novas quando necessário.
Ele descobriu, enfim, o nome de seu protagonista – Christian – e o passado que tanto o atormentava. Em sua breve passagem, o autor vislumbrou dois irmãos e uma irmã, todos mais novos. E à medida que narrava os acontecimentos – da cavalgada pela floresta e o acampamento que montara junto dos outros cavaleiros – ia incorporando sua infância em Toulouse à história.
Não era necessário contar de como Christian partira para Paris com o mundo à sua frente e o diabo às suas costas. De seu árduo treinamento até juntar-se à cavalaria. Isso estava já descrito na ponta de sua borracha, que Jonathan ia passando para apagar tudo o que não fosse essencial à narrativa. Em breve, ele apagaria também as gotas de chuva e a luz do dia, restando somente a noite aos personagens em suas barracas. E o vento uivando sobre eles.
Quando terminou sua xícara de café, Jonathan empurrou-a para longe, deixando-a próxima de uma trilha, onde corria a palavras rápidas e bruscas o homem que Christian e sua trupe tanto procuravam. Ele corria como podia, caindo a cada duas ou três linhas. Seu desespero era latente, e Jonathan levantou-se de seu lugar para dar-lhe passagem e assistir à cena com atenção.
O autor acompanhou de perto a dor e o sofrimento do seu próprio personagem, sentindo um aperto no peito enquanto media as palavras para transcrever a visão que teve.
O grafite vertia no papel tal qual lágrimas de ódio e tristeza. Cada expressão usada era um passo dado; cada pingo em cada i, uma gota de suor.
Sentindo a testa úmida, Jonathan levantou-se e foi até o banheiro. Ligou a torneira e molhou o rosto de leve, secando-o diante do espelho. Ao fundo, alguns passos atrás de si, ele discernia a cena seguinte, o que estava para acontecer. O inevitável desfecho.
Saiu do banheiro e pegou a xícara vazia na escrivaninha. Largou-a na pia da cozinha e voltou para o escritório a passos lentos. Sentia seus ombros arqueando com o peso da responsabilidade.
Sentou-se na cadeira e mirou a folha. Releu o que tinha escrito e corrigiu algumas coisas. Aí, respirou fundo e armou o encontro.
Christian, Adahn e companhia atravessaram a imensidão de papel e chagaram ao seu destino, ao homem que procuravam.
Jonathan colocava mais grafite em sua lapiseira enquanto os cavaleiros sacavam suas espadas. O cheiro de ferro queimado era a borracha contra o papel, a lâmpada no corredor que piscava e se recusava a permanecer acesa.
Antes de prosseguir, Jonathan levantou-se uma vez mais e foi ao banheiro. Olhou para o espelho e observou, ao fundo, tudo o que estava para acontecer.
Sentiu suas mãos molhadas e vermelhas quando voltou para o escritório. Dessa vez, usaria a caneta. O sangue em suas mãos era a tinta que se espalhava pelo papel e que escorria de seus personagens a cada golpe de sua imaginação.
Ao fim da página, havia cometido seu primeiro assassinato.
E viu que gostava.

5 comentários:

. disse...

adorei. tanto esta segunda parte, quanto a primeira. achei legal o fato dessa atmosfera "épica" misturada com essa coisa de cotidiano, de vida comum, de ir até a cozinha fazer um café com leite, do detalhe do grafite 0,7 da lapiseira. sou obcecada por detalhes assim.

quero ver como vai terminar essa história, porque tenho certeza que não vai ser nada previsível.........

bjs, meu amigo!

Marina disse...

Isso acontece mesmo, personagens criando vida e sendo vislumbrados fora do papel, com vontades e atitudes próprias. Não é qualquer um que consegue isso.

Pessoalmente, não sei mais escrever no papel. Na verdade, nunca me senti completa escrevendo à mão; os pensamentos fluem mais rápido que o meu lápis e eu termino me perdendo entre pensamentos e palavras não escritas. Só quando comecei a digitar rápido, entrei em sintonia com minha imaginação.

Estou quase esperando que Jonathan entre na história ou os personagens saiam dela.

Abraço, Marcelo!

Júlia Raquel disse...

adorei esse final,mais precisamente, a última frase!
sabee

hehe :)

Siane disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Siane disse...

Concordo com a Adri. E complemento com o comentário de que essa parte especialmente me lembrou da campanha de RPG da qual participei.. heheh. Costurem capas e escondam-se na floresta...