quarta-feira, 19 de novembro de 2008

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Escrevi dois textos (curtos) recentemente - mais por impulso que por qualquer outra coisa. Não sei porque, mas tive que escrevê-los e trabalhá-los. Não são contos, ao menos pela minha concepção. Eu os considero mais um experimento lingüístico (se bem que tem tanta coisa que a Virgina Woolf escreveu e os professores de literatura juram que é conto...), e resolvi publicá-los aqui, até como um exercício. Assim ouço quem quiser comentar e seus respectivos "pitacos". hehehe
Eis o primeiro:

Cartão

Ele entrou no quarto escuro, percorrendo vagarosamente o seu interior. Guiando-se por entre os poucos móveis, chegou à escrivaninha. A janela entreaberta permitia a entrada de uma luz pálida, projetando-se em filetes inconstantes dentro do cômodo. Uma penumbra leve e suave encobria-o, abafando o som de seus passos e ecoando ao ritmo de sua respiração.
Ele estendeu a mão e puxou um pedaço de papel sobre a escrivaninha; o cheiro dela espalhou-se repentinamente pelo ar, iluminando o quarto com sua cor adocicada. Ele ergueu a mão e levantou a persiana, permitindo que mais luz adentrasse o vazio.
O seu rosto foi banhado por uma coloração de mofo prateada, revelando o leve desgosto de seus olhos pardos. Um quê de arrependimento flutuou pelo ambiente, transformando o doce em amargo e o prata em negro.
O pedaço de papel era um envelope claro – assinado por ela, como ele já havia antecipado – dentro do qual haveria sua mensagem. Ele não precisava ler o que estava escrito. Tomou o cartão por entre as mãos e abriu-o, empurrando-o contra o nariz, tentando tragar até a última gota do perfume. Um gosto gelado invadiu-o de repente.
Fechou, então, o cartão, e guardou-o novamente no envelope. Depositou-o gentilmente sobre a mesa e sob uma luz inconstante, que teimava em tremular contra a sombra. Um tom vermelho escapava a cada bruxulear, topando com a escuridão. Não demorou muito até ser completamente devorado por ela; ao fim do que, ele fechou a janela e deixou o quarto.
E o cartão, mesmo insatisfeito com o próprio destino, deixou-se estar, e até hoje guarda pó na gélida escuridão.

6 comentários:

Marina disse...

É uma história bonita. Melancólica, frustrante, intrigante. Adoro histórias assim. Adoro também os gestos significativos do personagem. Gestos que falam.

Obrigada pelos toques, Marcelo. Não concordei com todas as sugestões, mas apreciei muito a sua atenção. Volte sempre!

Abraço!

Isabella F. disse...

Eu achei que você descreveu o ambiente demais por isso acabou se perdendo no "meio" acabou meio que..

"já acabou" ou até um "como assim?"

Vc deveria ter investido mais na situação e menos no ambiente.

Só um toque...


http://www.words-of-eagle.cris-design.com/

. disse...

eu adorei. de verdade, não soh pq sou tua amiga e tu dizes sempre que minhas ações são adriísticas.... =)

achei super legal a descrição detalhada do ambiente, senti como se estivesse sentada numa cadeira num cantinho escuro do quarto observando tudo.

bjs, saudades!

Brunno Jackson disse...

eu gostei muito..parabéns pelo blog

naturalmente tricolor disse...

Oi .Marcelo ,estou aqui como prometi,Ainda estou lendo sua obra,mas ja deu pra perceber que é bem dentro de tudo que vc se propoem a mostrar desde o principio.Cara tu és fascinado pela palavra como todo!Fazes um jogo incrivel com elas,que cada pessoa que te ler consegue indenfica-se com sua própria história.Eu acho mistíca tua forma de relatar personagens e como vc reeinventa-se eses a cada paso.Fantástico!Que mais posso te dizer??Sou fã número uma do seu trabalho,acho que vc tem potencial pra ir muito além mesmo cara.Fique bem! beijos!

Jerri Dias disse...

Oi,

Pois é, apareci por aqui.
Lá no iníco do blog descobri que um dos melhores meios de se conseguir vistantes e divulgar o seu blog é vistiando quem te visita.

Mas vamos ao conto:
Como voc mesmo disse,ele é mais um experimento linguístico, pois o achei bem mais rebuscado do que a média dos contos modernos, que costumam ser mais secos e diretos.
A atmosfera ficou bem construída, através do cenário, mas não consegui me envolver muito não.
Ah, e achei bem estranha essa frase: "Um gosto gelado invadiu-o de repente."

Uma hora volto pra ler os outros, vi que tem um bem grande. Fiquei curioso...

Ah, fiz Letras na UFRGS, Bacharelado em Tradução, até já fiz algumas por aí, mas acabei largando no 6º semestre quando fui pra Dinamarca e também eu queria algo mais na linha de escrita criativa mesmo...

E como é que vc decobriou o meu blog, é que como ele é frequentado por 90% de garotas adolescentes sempre fico curioso como gente mais madura vai parar lá, apesar do blog ter textos voltados para leitores maduros, de qualquer forma.