quinta-feira, 2 de abril de 2009

Faerie (parte 1 de 2)

Esse conto eu comecei a escrever faz muito tempo (pela metade do ano passado). Curiosamente, o que eu queria fazer não era um conto, era uma tradução. Nas minhas leituras pela internet me deparei uma música que gostei bastante (uma balada) que era bem curtinha, e fiquei com vontade de traduzí-la para o português. Só que eu acho traduzir esse tipo de coisa muito difícil, ainda mais sem contexto. Daí eu escrevi um conto, do qual essa balada faz parte, para contextualizar e facilitar o trabalho.
No fim das contas, tenho a parte em prosa já terminada, mas a tradução ainda está meio pendenga. Contudo, como achei que era hora de dar um jeito daquilo, resolvi postar aqui por dois motivos: 1) achei a prosa divertida, e já tinha vontade de mostrar pra alguém; 2) se eu não me forçar, não termino nunca de traduzir a balada.
Eis, então, o que se passa. Não se preocupem, esse conto é bem menor que o último (são só 2 partes).
Eis:

Faerie

Na corte do rei Oberon, muitas baladas são tocadas. E ele, um senhor justo e terrível, pune os trovadores que não o aprazem com a morte. Infelizmente, até hoje não houve canção que agradasse aos seus ouvidos, e ele requer menestréis semanalmente.
As mortes são fartas e previsíveis, e as paredes de seu palácio são decoradas com as cabeças dos músicos fracassados de seu reino.
Sua esposa, a senhora Titânia, é linda e cruel. Ela é a responsável pelas apresentações semanais. Sua parte favorita é a decapitação. Felizmente, seu senso estético lhe permite dispor as cabeças de forma limpa e agradável. Ela faz questão que apenas os jovens e belos sejam chamados para tocar para o seu senhor. E que, de preferência, não entendam muito de música.
Semana passada, ela descabeçou uma pobre ninfa, que não sabia cantar nem dançar, e que, para salvar a própria vida, tentou agradar lorde Oberon usando sua língua para outras coisas que não envolvessem música. Lady Titânia ficou tão enfurecida pela audácia da ninfa (e pelo fato de seu marido ter aprovado seus dotes), que ordenou que ela agradasse da mesma forma todos os servos do palácio e que, depois, ajudasse a esquentar a água do banho de seu soberano mergulhando sua língua nas brasas reais. Não satisfeita, a senhora de Faerie determinou que seus olhos fossem arrancados e usados como carvão antes de ordenar sua execução. Sua cabeça é a única que não foi posta na parede para ser usada como decoração. Ao invés disso, ela é guardada como exemplo àqueles que tiverem idéias similares.
Exatamente por isso, está faltando uma cabeça na parede, e a senhora Titânia exigiu que houvesse, essa semana excepcionalmente, a apresentação de dois menestréis. E enviou os seus arautos para que encontrassem trovadores de talento inversamente proporcional a sua beleza. E que fossem bonitos. Muito bonitos.
Então, seus hobgoblins saíram por toda Faerie em busca de alguém para convocar em nome do rei Oberon e sua corte. E passaram por elfos, trolls, pixies, dixies, selpies, kelpies, sprites, brownies, boggarts, kobolds, gnomos, ninfas, anões, e outros tantos habitantes do reino das fadas, mas nenhum deles fazia jus ao que a rainha queria. Ou não eram belos o bastante, ou tocavam bem demais.
E quase ao fim da semana (que, para sua sorte, tem dez dias em Faerie), viram vagando pelos Ermos dois jovens humanos, um menino e uma menina, que buscavam frutas encantadas para levar para casa.
Poucas maçãs são tão vermelhas, morangos são tão doces, e pêssegos são tão suculentos quanto aqueles permeados pela influência mágica da corte de Oberon e Titânia. Mais do que elas, apenas as frutas criadas no coração de Faerie, no jardim real, servidas pessoalmente aos lordes do reino. Muitas são as histórias de mortais que adentraram os domínios ancestrais das fadas buscando o sabor sobrenatural de suas amoras. Poucas são as que narram do seu retorno.
Impressionados com a beleza daqueles dois jovens – que eram os primeiros humanos em séculos a colocar os pés naquela terra –, os servos de Titânia trataram logo de elaborar um plano para levá-los a sua rainha sem despertar suspeitas entre os homens. Procuraram rapidamente duas árvores de Ipê e serraram seus troncos. Então, começou o seu ritual.
Juntos, os hobgoblins glamourizaram os troncos serrados, vendo-os crescer lentamente. Primeiro, nasceram as pernas: formaram-se os joelhos, cresceram os pés e os dedos, um a um. Depois, brotaram os braços: ombros, cotovelos, mãos e dedos. A cabeça foi a última, e quando estava completamente formada, abriram-se os olhos. Ao seu redor, os hobgoblins apontavam os jovens que os Ipês deveriam substituir.
Os dois troncos, então, com suas mãos, agarraram o próprio corpo e abriram-no como a uma casca. Tal qual borboletas que abandonam o casulo, saíram as crianças de dentro dos troncos: seus cachos dourados, pele branca e sensível, os seios ainda pequenos e a genitália loura. Estavam prontos para assumir o seu papel, e os hobgoblins providenciaram os últimos arranjos. Glamourizaram algumas frutas e jogaram-nas para os jovens que, ingenuamente, comeram-nas. O encantamento conjurado atiçou-lhes o sono, e caíram desacordados, derrubando sua cesta de frutas. E, finalmente, para os Ipês, agora transformados, eles conjuraram roupas como as dos dois humanos, para que tomassem seu lugar na Terra sem levantar suspeitas.
Os Ipês pegaram a cesta do chão para levá-la consigo enquanto os hobgoblins enfeitiçavam as duas crianças para que não pudessem mais retornar ao seu lar. Faeria seria sua nova casa, mas não por muito tempo. Teriam a duração exata de uma balada.

4 comentários:

Siane disse...

"...agarraram o próprio corpo e abriram-no como a uma casa.." - Não seria casca?

Hmmm... o que será que a ninfinha (que deveria ser lindinha, já que só pessoas bonitas são selecionadas) fez com a língua,hein?

Mal posso esperar pra ver o que acontece!
O que me conforta é saber que u não corro o risco de ser capturada pelos hobgoblins da rainha Titânia. Não que eu tenha talentos musicais, mas acho que minha cabeça não ficaria muito bem nas paredes do palácio... hehe...

Hermes disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Hermes disse...

Fantasia medieval sempre é um bom atrativo. Primeira vez que vejo hobgoblins usar encantamentos. Faeria me é um nome familiar, mas acho que estou relacionando com Faerun, deve ser isso ahuaha. O conto ta legal, esperando o restim. Abraço.

Marina disse...

Acho contos de fantasia, em geral, estranhos, mas gostei de como este está sendo conduzido. Já fui convidada para elaborar um, mas nunca saí do canto. Sempre fico com a impressão de que vou precisar de muitas páginas para terminar de escrever o que deveria ser um conto, ou então ele ficaria forçado e corrido. Qual o seu segredo? rs

À espera do final e da balada.
Abraço!