quinta-feira, 24 de setembro de 2009

O chão de Luciane

Pprimeiramente, gostaria de agradecer a todos os comentários no meu último conto. Achei legal que muita gente tenha interpretado o final como a morte do irmão, apesar de eu achar que o conto pudesse ser algo mais do que isso (algo como a transissão de uma etapa da vida para a outra; ou mesmo de crescimento e mudanças, tanto próprias quanto no ambiente que nos rodeia. Como uma parte que se perde e nunca mais retorna). Mas enfim, creio ser uma história de perda e, até, quem sabe, de evolução. Mas o conto era em si muito curto, acho até que "sonegou" algumas informações que pudessem levar a essas conclusões. Digo isso não como um: "vocês deveriamter interpretado assim" (até porque não acredito em uma interpretação unívoca e inequívoca), e sim como uma observação frente às minhas expectativas. Falando nisso, alguém já experimentou ler o meu conto "Fumaça e espelhos" como um conto de suicídio? Está um pouco mais para baixo, ou aqui para quem tem preguiça (http://visoesnaareia.blogspot.com/2009/08/fumaca-e-espelhos-redux.html). Gostaria até de saber se ele permite esse tipo de leitura.
E, claro, antes de passar mais adiante, queria esclarecer que leio tudo e "filtro" o que me foi dito. Muitas vezes não é bom ouvir de outras pessoas que o que nós escrevemos não está toda essa maravilha, mas saber as causas disso ajuda muito para o auto aprimoramento. E concordo com algumas coisas que foram ditas, aliás. Não sou chato com críticas, não. Sabendo ter respeito, acho que todos ganham.

Aliás, demorei para postar aqui hoje porque faz pouco tempo que meus pais retornaram de uma viagem ao exterior, e trouxeram a minha encomenda, que é um videogame novo! Yeah! Pode ser que eu comente menos no blog dos outros daqui para frente, mas será por uma boa causa ;-)

Ahem: agora, antes tarde do que nunca:

O chão de Luciane

Essa é a história de Luciane, a mulher que ficou sem chão. Pois veja bem, um dia, sem mais nem menos, o chão resolveu que não seria mais dela. Renegou-a. Pelo que se conta, ela descobriu isso de manhã. Ela acordou pronta para levantar da cama. Quando ia pôr os pés no chão... Nada. Não conseguia sentir o assoalho. Chegou a pensar que aquele seria um sonho estranho ou algo do tipo. Voltou a dormir, mas quando tentou de novo… Nada.
Ela simplesmente ficou ali, suspensa no ar. E quando se mexia, quase caía. Mas por sorte – ou azar – não batia no chão. Ao menos não se machucava. Respirou fundo e tentou andar, mas também não deu muita sorte. Afinal, sem lugar onde se apoiar, não conseguia sair do lugar.
Levou algumas horas até finalmente pegar o jeito. O que ela tinha de fazer era tão somente voar, que logo saía de onde estava. Primeiro, treinou pela casa, flutuando de cômodo em cômodo. Depois, saiu a praticar pelas ruas, perambulando pelo ar.
Ao fim daquela semana, Luciane já estava bem proficiente na arte de voar, e ia aonde quisesse sem grande esforço: ao shopping com as amigas, à casa de seus pais, visitar o irmão. Até tentou ensinar o seu sobrinho a voar, mas ele já estava muito velho para entender. Se ainda fosse novo o bastante, talvez conseguisse…
Pois bem: o tempo ia passando, e ela continuava ali, flutuando. Começou a sentir uma falta sem tamanho de botar os pés na terra… Podia subir nos móveis e no segundo andar dos prédios, mas no chão, aquele com quem ela realmente se importava… Nada. Sentia-se desolada, mas o que podia fazer se ele não a aceitava de volta?
Hoje, algumas pessoas dizem que é possível ver Luciane voando para o trabalho enquanto leva a filha para a escola. Ela está ensinando seu marido a voar, enquanto a filhinha já flutua um pouco. Em breve, quem sabe, veremos os três passeando juntos pelos ares.




Vamos ver que tipo de comentários esse pequeno texto incita. Muahahaha (insira aqui uma risada maligna)!

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Na chuva

Bom, semana passada eu fiquei doente e me sentindo mal, o que me levou a postergar a atualização do meu blog em um dia. Por isso, agora que fui ao médico, fiz exames e estou tomando remédio, creio eu que nada seria mais justo do que atualizar um dia antes, também, e manter uma média legal.
Para início de conversa, resolvi dar uma pequena pausa na conversa japonesa, não só devido ao tamanho dos posts, como também pela complexidade do tema e do "saco" de quem acompanha. Hoje o conteúdo é mais leve (ou não... vocês vao entender). Contudo, antes de prosseguir, preciso tomar conta de algumas pendências da última sexta-feira. O nome dos programas que eu uso, que prometi postar, acabaram faltando. Então ficou para o começo deste post aqui.
O programa que eu uso para escrever no computador é o JWPce. É muito útil para quem quer aprender kanjis. Você escreve a palavra e, se quiser, pode pedir para o programa mostrar os kanjis relacionados a ela, ainda com dicionário interno, para saber seus possíveis significados. O inverso também se aplica. Tem um texto em kanji? Ele pode transformar em hiragana e usar o dicionário para esclarecer os significados.
Pode ser encontrado aqui:
http://www.physics.ucla.edu/~grosenth/jwpce.html

Basta clicar em download e ele vem com tudo pronto. Muito fácil de instalar, inclusive.

Outro programa que eu uso é o rikaichan. Neste caso, é bom para internet. Você pode entrar em várias páginas em japonês, e ele tem um dicionário interno (que deve ser baixado com o programa) que funciona assim que se marca uma palavra. Aí ele vai dando possíveis significados e tipos de leitura.
Pode ser encontrado aqui:
http://www.polarcloud.com/rikaichan/

Notem, também, que português não é uma língua contemplada dentre as opções. Infelizmente, não há uma base de estudos muito forte no Brasil (ou em Portugal) sobre a língua, o que é uma pena.

Ok, agora que já escrevi muito mais do que deveria, aqui vem um conto novo, que escrevi no final de semana, revisei rapidamente, e aqui vos trago.
Boa leitura ;-)

Na chuva

O rapaz abriu a porta de casa apressadamente para fugir da chuva que rugia sobre ele. Brigando com as chaves, ele deu uma volta na fechadura e conseguiu arredar a entrada de seu ferrolho e criar espaço para sua passagem. Assim que entrou, pareceu-lhe que a chuva, magicamente – como muito acontece, conforme Murphy nos admoesta – cessou, e o céu abriu e estrelas surgiram.
Praguejando contra a sorte com todo o tipo de impropérios que lhe vinham à mente, ele fechou a porta e adentrou a sala, vendo seu irmão mais novo – um adolescente na típica idade estudantil – deitado no sofá, enrolado numa coberta xadrez, onde um azul claro e um amarelo suave se revezavam ininterruptamente. Ao lado, no chão, seu cachorro se divertia com um osso e os restos do tênis de alguém – que ele devia ter apanhado durante o sono de seu dono. O animal sempre ficava agitado quando não saía para passear.
Praguejando ainda mais contra o cachorro do que praguejara contra a chuva, ele fez menção de acordar seu irmão para fazê-lo ir dar uma volta com seu bicho de estimação. Contudo, vendo-o dormir tão serenamente, decidiu que sairia ele mesmo.
Pegou, então, a guia e colocou-a no cachorro. Antes de sair, ainda deu uma última olhada em seu irmão e notou como ele estava crescido. ‘Já está quase do meu tamanho’, pensou.
Puxou o cão e foram ambos juntos dar uma volta. Na saída de sua casa, ele voltou a sentir algumas gotas escorrendo das poucas nuvens que se amontoavam atabalhoadamente no céu. Ele suspirou, quase sem acreditar em sua (pouca) sorte, mas decidiu que daria uma volta mesmo assim.
Caminharam alguns metros e viram, dobrando a esquina em sua direção, um rapaz encapuzado para quem seu cachorro latia animadamente, balançando o rabo de um lado para o outro. Quando se aproximaram, o rapaz viu que quem vinha era ninguém menos que seu irmão mais novo.
- Mas – disse ele – eu pensei que você estivesse em casa, dormindo.
Seu irmão apenas sorriu, e disse:
- Eu estou.
E nunca mais voltaram a se encontrar.

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Os kanas!

Como vocês devem bem lembrar, semana passada comecei a falar sobre a escrita japonesa e me comprometi a continuar a explicação nesta semana. Pois bem, como sei que nem todos podem ver os ideogramas no seu computador (por algum motivo, não vem instalado em todos os computadores; alguns necessitam instalar ou procurar plug-ins na internet), resolvi mudar um pouco o estilo visual deste post, utilizando fotos para as explicações. Ao final do post, escrevo o nome e o site do programa que uso para escrever em japonês para quem quiser. Vai que dá curiosidade...
Antes de mais nada, não pretendo fazer uma recapitulação do que foi dito. Se for necessário, ela será feita no corpo do texto com o intuito de esclarecer pontualmente aquilo que foi escrito. Quem quiser explicações mais detalhadas pode encontrá-las no meu outro post, na wikipedia, ou me perguntando mesmo, que respondo sem problemas, ok?
Agora, prosseguindo:

Apesar de ser um sistema muito didático e, de certa forma, até mesmo esclarecer do ponto de vista da cultura e do pensamento oriental, muitas vezes a escrita em kanji não é muito (para não dizer que não é nada) prática. Já ouvi como explicação o fato de que, sendo o japonês uma lingua silábica, há muitas palavras iguais e/ou repetidas (como hana, que pode significar tanto flor quanto nariz, shiritsu, que pode ser tanto público quanto privado - pretendo escrever mais sobre este exemplo mais adiante - etc). No caso, apesar da confusão previsível e da real habilidade que os kanjis têm de desambiguizar tais dúvidas, acho o argumento um tanto frágil; pelo simples fato de que ninguém fala em kanji. E se eles não precisam de ideogramas para esclarecer a própria fala (cheia dessas semelhanças e de palavras repetidas), então duvido que seja este o real motivo.
De qualquer modo, independentemente da razão pela qual são usados (seja por tradição, preguiça de mudar, cabeça-dura, valorização dos costumes, etc), eles são empregados e devemos conviver com sua existência. Contudo, como faz alguém que não sabe ler o kanji? Como pode ele olhar e "decorar" o significado? Isso sem falar que nem toda a lingua japonesa é expressa em kanjis. Como fazem, então?
Pois bem, é aí que entram os kana. Os kana são divididos em dois grandes grupos: hiragana e katakana, e é por eles que qualquer estudante de japonês começa. No caso, são duas formas fonéticas e silábicas de escrita, muito semelhantes ao alfabeto ocidental. Só que, ao invés de 27 letras e alguns acentos, são 46 letras mais algumas combinações.
Abaixo segue uma tabela com os 46 hiraganas básicos com a pronúncia em escrita romana (chamda roma-ji, em japonês - ji de escrita, e roma de Roma; a Escrita de Roma, portanto):



E, agora, a tabela com os katakanas básicos:



Como eu disse, esses são os básicos, ainda tem as combinações e as sonorizações (o ta vira da, o sa vira za, o shi vira ji, o ka vira ga, e o ha vira ba ou pa), mas já é um bom começo. Aí vocês podem perguntar: pra que isso? Pra que tanta escrita? E, realmente, o hiragana já estaria e bom tamanho, mas eles são japoneses, são 150 milhões de pessoas se apertando num arquipelagozinho do tamanho do Rio Grande do Sul, que vive a base de peixe e arroz; dá um desconto!
Agora, explicando direitinho: como foi dito anteriormente, os kanjis foram trazidos diretamente da China por volta do Século V para que os japoneses também pudessem se expressar, escrever e ler. Contudo, como é previsível, para se ter domínio dessa escrita, era necessário saber também chinês, algo que a maioria da população não tinha possibilidade (nem necessidade, diga-se de passagem) de aprender. Como fazer, então, para adaptar essa escrita à língua japonesa? No caso, após muito tempo, foram sendo criados esses dois sistemas de escrita, os hiragana e os katakana. Tanto o hiragana e o katakana foram desenvolvidos a partir dos kanjis como formas simplificadas de escrevê-los. No caso, como a forma cursiva da escrita era mais corrente entre as mulheres, o hiragana ganhou muita popularidade entre elas, ao passo que o katakana, por ser uma forma mais retilínea, foi favorecida entre os homens (basta olhar os dois quadros acima para ver a diferença na "suavidade" e "cursividade" das duas escritas). Tanto que as primeiras obras escritas por mulheres (como o Genji Monogatari - literalmente, História de Genji; também conhecido por muitos como o primeiro romance escrito da história da humanidade, o que ainda é motivo de debate, contudo, envolvendo autores gregos e latinos... mas deixemos essa discussão para os professores de literatura) eram escritas (quase) totalmente em hiragana.
Hoje, contudo, o debate cessou, e cada escrita tem limites de uso mais ou menos bem definidos. Explicando: os kanjis são para escrever a maioria das palavras, já que têm o "conceito" embutido; os hiraganas são para escrever partículas, conectores, preposições, terminações verbais ou de adjetivos; e os katakans são usados para escrever interjeições, estrangeirismos ou para destacar algum termo (como o nosso itálico).
Mas chega de diletantismo. Passemos a um exemplo mais prático.
Para ilustrar o exemplo dos três "alfabetos" de uma vez, nada melhor do que algumas frases simples:
1. Meu nome é Marcelo.
2. Vou ao Japão de Avião.
3. Hoje está quente.
4. Hoje foi quente.
(as últimas duas frases são para ilustrar o uso do hiragana nos adjetivos e a forma aglutinante da lingua japonesa; ao contrário da portuguesa, que vai "distribuindo" características ao longo da frase, a japonesa deixa tudo aglutinar no final, nos verbos e nos adjetivos). Vamos aos exemplos:



Vocês verão que o que está em azul são kanjis, e o que está em preto é ou hiragana ou katakana. No caso, na primeira frase, temos o primeiro kanji (watashi) que quer dizer eu. Entre este e o próximo kanji, há uma letra em hiragana. Para quem olhar no quadro, verá que aquilo é um "no". Neste caso, é uma partícula que indica posse. "Watahi no", portanto, quer dizer "meu". Os próximos dois kanjis se lêem "namae". Parece com a palavra "nome", em português, e é isso mesmo. Pura coincidência. Após estes kanjis, temos mais uma letra em hiragana. Para quem viu os quadros, saberá que se pronuncia "ha" (como em carro). Contudo, por ser uma partícula (muito importante), se pronuncia wa. Ela serve para indicar o tópico de que se fala. O sujeito, se assim quiserem chamar. Depois vem as letras em katakana. É o meu nome! Sim, Marcelo, em japonês, se fala Marusero. Eles não se dão muito bem com encontros consonantais, e transformam tudo o que podem em vogais. Como eu disse, é uma lingua silábica. E por último, temos o "desu". Em geral, costumam explicar que o desu é um verbo, mas ele é bem mais do que isso. No japonês, é muito comum comerem final de frase, partículas, eliminarem-se conexões, etc, de forma que as frases, muitas vezes, parecem um amontoado de palavras desconexas. No caso do japonês, o desu é um "liga tudo". Se você não souber o que fazer, coloca um desu no final da frase que periga dar certo. Bendito "verbo"!

A segunda frase eu "escolhi" para mostrar, uma vez mais, a diversidade existente de pronúncia e uso de kanjis. A primeira palavra em kanji nós já vimos da outra vez: hikouki, que quer dizer avião. A letra em hiragana, ao lado, é a partícula "de", que indica a ferramenta com que se faz alguma coisa (no caso, usa-se o avião para viajar, por exemplo). Se eu vou escrever com o lápis (enpitsu), digo: "enpitsu de kakimasu", sendo "kakimasu" o verbo : escrever. Como vocês devem ter notado, em japonês o verbo vai lá no final. Se não me engano, alemão é assim também. Aí vem a palavra Nihon. Que significa Japão. O primeiro kanji vocês já conhecem: sol (embora essa seja ainda outra pronúncia do mesmo kanji). O segundo é hon, que pode ser livro ou origem. Daí vem que o Japão é a Terra do Sol Nascente. Está no nome deles. É a Origem do Sol! Legal, né? A partícula he (mais um hiragana) se pronuncia "e", e indica direção. É para lá que vamos, afinal. E o ikimasu é o verbo, que quer dizer ir (vocês notaram que o kanji desse verbo, que se lê i, é o mesmo que se lê kou em avião?).

E enfim, as últimas duas frases, que pretendo analisar conjuntamente:
Na frase 3, a primeira palavra, kiyou, quer dizer hoje (o primeiro kanji significa agora, e o segundo, dia; viram que legal? O dia de agora é hoje! - mas essa é ainda outra forma de se ler o kanji de sol - quantas leituras nós já vimos até agora? Querem contar?). Temos então a partícula wa e o kanji de quente, atsui. Notaram como a última "letra" da palavra atsui se escreve com hiragana? É porque isso vai mudar depois. E depois temos o bom e velho "desu".
Na frase 4, temos kiyou, hoje, e a partícula wa, e a palavra atsukatta. Por que é que mudou, de atsui para astukatta? Porque, aqui, é o adjetivo que muda, não necessariamente o verbo. Katta é um sufixo que indica passado (nós tiramos o último "i" da palavra atsui e trocamos por "katta"). A frase, que antes era "hoje está quente", virou "hoje foi quente", mudando apenas o adjetivo (notem que o desu, o verbo, não mudou nada). Se quiséssemos dizer: "hoje não está quente", tiraríamos o i final de atsui e colocaríamos "kunai"; no caso, seria "atsukunai". E se eu quisesse dizer que hoje não foi quente? Fácil: tiramos o i final de atsukunai e colocamos o katta: atsukunakatta.
Aglutinou tudo, né? Antes que vocês me perguntem: sim, os verbos se modificam sim, muito semelhante a como os adjetivos se modificam. Só achei que seria ais interessante falar dos adjetivos por ser uma coisa tão diferente do usual para nós.

Foi uma lição longa, e acho que por hoje chega. Já cobrimos um básico dos kanjis, um básico de gramática, e um básico de kana. O que mais falta? Algumas pequenas - e divertidas - curiosidades de ideogramas.
Próxima quinta? Quem sabe. Talvez, se já não enchi o saco do pessoal com esse texto enorme...

ps: só não postei ontem por motivos de saúde. Estava indisposto, sofrendo em casa, mas fui no médico e já iniciei tratamento. Quem me conhece sabe que minha saúde não é lá um brastemp...

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

De kanjis

Pois bem, devido ao ritmo dos meus estudos recentemente, decidi enfim sentar e escrever, mesmo que brevemente, sobre a escrita japonesa (perdão pela repetição indevida de palavras). Sei que pode não ser o tópico favorito de muitas pessoas, mas achei que seria interessante ao menos apresentar esse conteúdo tão desconhecido e, até mesmo, vítima de certas mistificações por quem o desconhece. Confesso que, no início, eu também fiquei um pouco assustado com o volume de material e de exigência que o estudo do japonês exige; contudo, com a prática e o ritmo, tudo vai se assentando. Claro, eventualmente eu também me encontro à beira do desespero e da vontade de largar tudo e fazer algo mais fácil, como inglês ou francês, mas não teria metade da graça.
Comecemos do começo:

A escrita japonesa é originária da China com os ideogramas. Ao contrário de nossos amigos comunistas, contudo, o volume de caracteres no Japão é muito menor. Ao passo que, na China, o número de Kanjis usados chega a ser incalculável (e isso é verdade, não se tem ideia de quantas existam, apenas estimativas), o número de kanjis (o nome dos ideogramas) exigidos no Japão beira os 2.000. Pode parecer muito, mas, na realidade, é mais. Mesmo. O número de ideogramas oficiais é esse, mas, para se ler um jornal ou até alguns livros, seria necessário conhecer em torno de quatro a cinco mil caracteres.
O que poderia fazer alguém se sentir atraído por esse volume intenso de estudo? Loucura, provavelmente. Ou muitos episódio de Cavaleiros do Zodíaco quando criança. No meu caso, é a segunda alternativa :P
Prosseguindo: historicamente, não se tem noção clara de quando os caracteres chineses foram levados ao Japão, apesar de haver documentos datando do século V D.C. (provavelmente escritos pelos próprios chineses). Apenas no século VI D.C. é que se vê documentos escritos em caracteres chineses com interferência do japonês (um chinês misturado com japonês), indicando uso corrente da escrita.
Explicando brevemente, os ideogramas que compõem a palavra kanji (漢字) significam "escrita de Han"; esse Han seria o imperador chinês em cujo governo teria sido desenvolvida esta escrita. O porquê dos japoneses chamarem Han de Kan (daí "KANJI") não está claro, mas a teoria corrente é de que, na época, o japonês não tinha o som "han" (pronuncia-se ran) incorporado ao seu sistema fonético.
No caso da escrita na China, a cada ideograma corresponde um som com seu(s) respectivo(s) significado(s). No caso do Japão, como foi uma escrita adaptada, o furo é um pouco mais embaixo. No caso, a cada ideograma costuma corresponder um conceito, variando o som.
Podemos dar como exemplo inicial os números. Qualquer um que já tenha feito aula de judô ou karatê ou outra arte marcial japonesa deve ter aprendido a contar até, pelo menos, dez. Contemos, então:
ichi, ni, san, shi, go, roku, shichi, hachi, kyu, ju
A cada um destes números corresponde um kanji, certo? Aqui estão eles, em ordem:
一, 二, 三, 四, 五, 六, 七, 八, 九, 十

Pronto, agora vocês já podem escrever os números. São alguns dos kanis mais fáceis (do 1 ao 3, pelo menos).
Agora, para não ficar apenas na parte fácil, vamos complicar um pouco. O próximo kanji que vou mostrar se chama tsuki, que quer dizer lua. É um kanji bastante fácil, aprendido nos níveis iniciais, e é com ele que se escrevem os meses do ano. Podem adivinhar como se escreve? Fácil, fácil:
一月, 二月, 三月, 四月, 五月, 六月, 七月, 八月, 九月, 十月, 十一月, 十二月

Como se vê, o primeiro mês se escreve exatamente assim: como o kanji do número 1 junto do kanji do mês, e assim sucessivamente. Até os meses onze e doze são fáceis. Pega-se o kanji de 10 mais o kanji de 1 e voilá, 11. Como se pronuncia, então? Seguindo a lógica apresentada, o certo seria dizer ichi, que é um, e tsuki, que é lua, formando ichitsuki, correto?
Errado. Tsuki é apenas uma das leituras daquele kanji. Quando ele quer dizer lua, fala-se tsuki. Quando ele quer dizer mês, fala-se gatsu. Assim, janeiro é ichigatsu, fevereiro é nigatsu e assim por diante.

Passemos, agora, a outro kanji que pode causar ainda mais dores de cabeça: o de dia, ou sol. Um kanji tão simples, mas tão complexo. Sol e dia se escrevem da mesma forma em kanji (日), mas se pronunciam diferentemente. Sol é hi, e dia é nichi
Agora, passemos à verdadeira loucura.
O lógico, pelo que estou dizendo, seria fazermos o seguinte: quero dizer um dia. Portanto, pego o kanji de um e o kanji de dia, junto os dois e tenho ichinichi (一日). E está correto. Contudo, se quero dizer dia primeiro, eu uso os mesmos kanjis (一日), só que a pronúncia é levemente diferente. Fala-se tsuitachi (quando eu disse "levemente", estava sendo sarcástico), que é uma leitura especial. O mesmo acontece com dois dias. Pego o kanji de dois, junto com o de dia e obtenho ninichi (二日). Contudo, se me refiro ao segundo dia do mês, escrevo da mesa forma (二日), mas a leitura é futsuka.
Isso que estou dizendo pode parecer confuso, complicado e sem sentido (e no começo é mesmo), mas segue uma lógica de contagem em japonês. Em japonês, temos os contadores. Se quero duas maçãs (ringo), não posso dizer ni ringo, pois estaria errado. Devo usar o contador, que é futatsu. No caso, o contador de dias também começa com fu (futsuka), e esse padrão se repete. Por exemplo, o contador de três é mittsu (dia três se fala mikka); o contado de quatro é yottsu (dia quatro se fala yokka).
No caso, apenas para não deixar o exemplo pendente, para dizer: "quero duas maçãs", em japonês é: ringo o futatsu kudasai.

Aí vocês podem perguntar: e para que aprender um sistema tão complicado? No caso, até concordo que o sistem ocidental de escrita é muito mais simples. Contudo, o sistema de kanjis tem um poder de síntese e de ideias dentro da própria escrita que o sistem ocidental jamais vai ter. Por exemplo: avião (hikouki) se escreve 飛行機. Vocês podem não saber ler, mas alguém que não conheça a palavra, mas conheça os kanjis, poderá inferir o significado, pois se lê "máquina que vai voando".
Podem não gostar e torcer o nariz, mas temos que admitir que isso é, no mínimo, interessante.

Eu gostaria de escrever mais a respeito, mas não agora. O texto já está bem grande, e me permite escrever mais numa próxiam ocasião (quando eu falar da construção, dos componenetes e dos tipos de kanji). Além, é claro, dos kanas.
Ficou curioso? Então não perca! Na próxima quinta, nessa mesma bat-hora, nesse mesmo bat-blog!