sexta-feira, 21 de novembro de 2008

2/2

Posto aqui o segundo texto curto que escrevi recentemente. Foi escrito nos mesmos moldes e é, talvez, o predecessor do outro. Muito provavelmente. hehehe
Antes, contudo, eu gostaria de "prestar um esclarecimento"; apesar de eu achar que um autor não deveria ter de explicar o seu texto, vou abrir uma exceção, até porque, talvez só eu note um "sutileza" que tentei empregar.
Lendo os comentários, vi que um me disse que "me perdi na descrição, e deveria ter investido mais na situação". Como eu disse antes, esses textos são como um experimento lingüístico, e uma experiência que eu fiz - que considero apenas parcialmente satisfatória, mas foi um bom aprendizado - foi usar o cenário, o meio, como metáfora para o enredo. Tentar passar, através do cenário, a emoção, a sensação e a história do que está acontecendo. Por isso um quarto fechado e escuro, que mal permite luz. E quando permite, nunca é o bastante para compreender o outro, servindo apenas para tragar o seu cheiro - e não mais. Ou o fogo da paixão que é inevitavelmente consumido pela escuridão do quarto, esse "eu" que não se abre nem se permite mais.
Vamos ver como ficou este segundo texto, portanto.

Relógio

Ela organizava as malas fingindo um consentimento, uma calma, sem perceber que suas mãos, desobedientes como eram, entregavam o seu nervosismo; sem notar que os seus lábios cor de amor trajavam um tom mais semelhante à escusa e à descrença. Seus olhos levemente avermelhados organizavam as roupas diante de si, dobrando tudo com pesar e dedicação.
Ela olhou o relógio a um canto: 15:30. Engoliu em seco.
Foi até a cômoda e tomou um porta-retrato rapidamente entre os dedos, jogando-o na mala com pressa, como se não quisesse que alguém testemunhasse o ato. Sequer olhou a foto ali presa. Já sem demora, cobriu-a com um punhado de roupas amarrotadas, escondendo o seu conteúdo.
O relógio agora apontava 15:32. Dois minutos. Dois minutos.. Dois...
Quantos mais?
Tirou de sua bolsa um cartão que havia escolhido para uma ocasião especial e colocou-o à escrivaninha. Ainda ela podia sentir o calor e o sentimento que o haviam motivado. Eles bailavam pelo ar diante dela, irritando ainda mais os seus olhos.
Trancando a respiração, olhou uma vez mais para o relógio: 15:33.
Sentou-se na poltrona e ficou olhando pela janela, movendo suas mãos agitadas uma contra a outra, deixando escapar naquele gesto um pouco de si. Uma parte que ela não recuperaria mais.
O sol claro – muito mais do que deveria – fazia especial esforço naquele dia. Nem o seu cabelo escuro pôde resistir, refletindo como um espelho uma pequena dose de castanho.
15:36
Ela enfim levantou-se, não podendo mais quedar-se ali. Fechou a mala, ouvindo-a gritar tão alto como nunca. Um som estridente jorrava do zíper como uma cascata, até que secou. Ela já estava saindo quando se deu conta da última coisa que deveria fazer. Voltou-se para a janela com a intenção de fechá-la por inteiro, de nunca mais permitir que um tom castanho fosse refletido. Contudo, restou uma pequena fresta pela qual um filete acinzentado invadia o seu santuário e marginzalizava-o com sua presença. Ela o encarou com pesar e, viu, por ele, 15:37.
Fechou a porta atrás de si.

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

1/2

Escrevi dois textos (curtos) recentemente - mais por impulso que por qualquer outra coisa. Não sei porque, mas tive que escrevê-los e trabalhá-los. Não são contos, ao menos pela minha concepção. Eu os considero mais um experimento lingüístico (se bem que tem tanta coisa que a Virgina Woolf escreveu e os professores de literatura juram que é conto...), e resolvi publicá-los aqui, até como um exercício. Assim ouço quem quiser comentar e seus respectivos "pitacos". hehehe
Eis o primeiro:

Cartão

Ele entrou no quarto escuro, percorrendo vagarosamente o seu interior. Guiando-se por entre os poucos móveis, chegou à escrivaninha. A janela entreaberta permitia a entrada de uma luz pálida, projetando-se em filetes inconstantes dentro do cômodo. Uma penumbra leve e suave encobria-o, abafando o som de seus passos e ecoando ao ritmo de sua respiração.
Ele estendeu a mão e puxou um pedaço de papel sobre a escrivaninha; o cheiro dela espalhou-se repentinamente pelo ar, iluminando o quarto com sua cor adocicada. Ele ergueu a mão e levantou a persiana, permitindo que mais luz adentrasse o vazio.
O seu rosto foi banhado por uma coloração de mofo prateada, revelando o leve desgosto de seus olhos pardos. Um quê de arrependimento flutuou pelo ambiente, transformando o doce em amargo e o prata em negro.
O pedaço de papel era um envelope claro – assinado por ela, como ele já havia antecipado – dentro do qual haveria sua mensagem. Ele não precisava ler o que estava escrito. Tomou o cartão por entre as mãos e abriu-o, empurrando-o contra o nariz, tentando tragar até a última gota do perfume. Um gosto gelado invadiu-o de repente.
Fechou, então, o cartão, e guardou-o novamente no envelope. Depositou-o gentilmente sobre a mesa e sob uma luz inconstante, que teimava em tremular contra a sombra. Um tom vermelho escapava a cada bruxulear, topando com a escuridão. Não demorou muito até ser completamente devorado por ela; ao fim do que, ele fechou a janela e deixou o quarto.
E o cartão, mesmo insatisfeito com o próprio destino, deixou-se estar, e até hoje guarda pó na gélida escuridão.

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Da tradução

Desde que a idéia de traduzir um conto me veio à cabeça, também pensei em discutir alguns dos pormenores da tradução. Eu sempre achei que, quando um tradutor é bom, ninguém lembra que ele existe, nem que aquilo que estão lendo vem de outra língua. Ele faz (ou deve fazer) com que o texto "soe" (do verbo soar) português (ou inglês, francês, japonês, russo, etc).
Contudo, durante esse processo, há uma série de decisões que devem ser feitas. Não somente isso, há todo um contexto a ser respeitado e que, muitas vezes, pode alterar a percepção que se tem de um texto. Um texto escrito em inglês carrega com ele todo o contexto social em que foi escrito. Há situações e termos que, no contexto americano, significam x. No contexto brasileiro, y. Por exemplo, se falarmos de futebol aqui, vem com esse assunto tudo que se sabe a respeito do esporte no nosso contexto. Se traduzirmos esse texto para inglês, por exemplo, teremos outros valores agregados ao esporte. Possivelmente, dependendo da importância do jogo para o texto, não duvido que o tradutor optasse por converter esse "futebol" em "baseball" (tomando, é claro, os Estados Unidos como parâmetro).
No texto que eu traduzi no post anterior, Suicídios de Amor existem num contexto muito específico do Japão. Existe um "cargo" que é o "omiai" ("O" de respeito, "MI" de ver, e "AI" de encontro). Essa pessoa é uma testemunha de casamentos arranjados que existem lá. E existem muitos. É muito comum os casais nem se conhecerem antes do casamento, resultando numa união por interesse, que nem sempre dá certo. Como o interesse familiar lá é muito grande, não é raro haver casais que mal conhecem o parceiro. Numa sociedade machista, o homem sai para trabalhar e a mulher fica em casa cuidando dos filhos.
Por isso, quando um casal se ama, acontece de eles combinarem o que chamamos de "suicídio de amor", "suicídio por amor" ou "duplo suicídio". Creio que é a isso que o texto se refere. A um casal que se ama, mas que só pode ficar junto (nessa sociedade machista) na hora de sua morte.
Essa é a questão cultural que pode elucidar alguns aspectos do texto, ou no mínimo enriquecer suas possibilidades. Em outros aspectos menos urgentes para a trama, mas igualmente importantes para a tradução, escolhi manter o termo orignal "hashi", que são os "pauzinhos de comer". Ao menos, para manter o nível da linguagem, e não manchar um texto sensível com esse termo. Sobre a "tigela", primeiro traduzi por "prato", pensando em diminuir a distância entre a nossa realidade e a deles; mais adiante no texto, contudo, percebi que havia muitos termos estrangeiros para fingir que tudo poderia acontecer exatamente aqui no Brasil, e acabei voltando atrás, deixando os utensílios culturais mais visíveis. Da mesma forma, a mesa que a mãe joga no chão, traduzi por "mesinha". Na tradição ocidental, as mesas são usadas para comermos sentados em cadeiras. No japão, as pessoas sentam no chão para comer, daí uma mesa pequena, que a mulher poderia facilmente erguer e arremessar. Quem assiste animes ou filmes japoneses deve conhecer.

Basicamente, era isso que eu queria escrever, trazendo à luz um pouco do trabalho do tradutor, além de mostrar algumas pequenas escolhas que ele deve fazer durante o processo tradutório, independentemente do tamanho do texto. Espero que tenham sido bom, e que tenham gostado.

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Suicídios de Amor

Como eu havia prometido, trouxe aqui o conto traduzido para o português (por mim). Para quem quer conhecer mais sobre o autor, Yasunari Kawabata, basta ler meu post anterior, entrar na wikipedia, ou pedir, que pode ser que eu traga mais coisas sobre ele. Sem mais demora, o conto:

Suicídios de Amor
Chegara uma carta de seu marido, um homem que de tanto desprezá-la, a havia abandonado. Aquela era a primeira em dois anos, e havia sido enviada de um local distante do país.
“Não deixe nossa filha brincar com a bola. Eu posso ouvir o som, e ele bate contra o meu coração.”
Ela tirou a bola de sua filha.
Outra carta chegou de seu marido. Essa tinha um selo diferente da anterior.
“Não deixe a nossa filha usar sapatos quando for ao colégio. Eu posso ouvir o som, e ele pisa ruidosamente contra o meu coração.”
Ela deu à filha sandálias de sola macia para usar ao invés dos seus sapatos. A menina chorou e enfim deixou de ir à escola.
Outra carta chegou de seu marido. Fora enviada apenas um mês depois da segunda, mas por sua escrita, ficava aparente o quanto ele havia envelhecido em tão pouco tempo.
“Não deixe nossa filha comer arroz da tigela de porcelana. Eu posso ouvir o som, e ele quebra o meu coração.”
Ela deu de comer à filha com seus próprios hashis como se ela ainda fosse um bebê. E ela lembrou-se de como, quando sua filha ainda era um bebê, o seu marido sentava-se sorridente ao seu lado. A menina foi até os armários e pegou sua própria tigela de arroz sem pedir permissão. A mãe imediatamente arrancou-a de suas mãos e jogou-a violentamente contra uma pedra no jardim. O som do coração de seu marido quebrando. Ela então franziu o cenho, enfurecida, e jogou sua própria tigela contra a pedra. Não era aquele o som do coração de seu marido quebrando? Ela jogou a sua mesinha de jantar no jardim. E aquele som? Ela jogou-se contra uma parede e socou-a com vontade. Arremessou-se como uma lança contra uma parede de papel e rolou do outro lado da partição. E aquele som?
“Mamãe, mamãe, mamãe.”
Ela gentilmente batia nas bochechas de sua filha. A menina veio correndo atrás dela em lágrimas. Ohh – ouça o som!
Outra carta chegou de seu marido. Era como um eco do som. Esta era enviada de um lugar diferente, ainda mais distante que os anteriores.
“Vocês duas devem parar de fazer qualquer barulho. Não abram nem fechem portas. Não respirem. Nem permitam que sequer os relógios façam som algum.”
“Vocês duas, vocês duas, vocês duas…”, murmurando essas palavras, ela chorou copiosamente. E desde então elas não fizeram som algum. Elas pararam por toda eternidade de fazer até o mais ínfimo som. A mãe e a filha morreram.
E, por mais estranho que pareça, seu marido morreu com elas, seu travesseiro ao lado do delas.

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Yasunari Kawabata

Em primeiro lugar, eu gostaria de agradecer a todos que comentaram meu blog recentemente e me incentivaram/criticaram. Não sou daqueles que leva críticas pelo lado pessoal. Sei que, na maioria das vezes, elas no mínimo servem como um contraponto, ajudando a ver o próprio trabalho de um jeito diferente. Levo em conta todas que recebo :)
Bem, semana que vem eu irei viajar, o que muito provavelmente significa que não entrarei no msn (coisa que não tenho feito nem ultimamente... perdão a quem me adicionou, mas estive atarefado com trabalho, leituras, estudos, etc.), nem no orkut, e talvez nem aqui por mais de uma semana. Sei que não atualizo com muita freqüência, até pelos motivos já elucidados (que palavra bonita, não?), mas não gostaria de ficar mais um tempo sem mexer por aqui.
Não produzi nada de grande relevância recentemente (tenho tentado montar aquele conto de que falo a horas, Faerie ou Isabela e o Cavaleiro, mas infelizmente, estou bem trancado na canção...), mas para não deixar ninguém de mãos vazias, traduzi um conto de um autor Japonês - Yasunari Kawabata - para o seu divertimento. Para quem não conhece (que deve ser algo em torno de 99% de quem freqüenta o site), ele foi o primeiro japonês a vencer o Nobel de literatura, e, de acordo com ele mesmo, as narrativas curtas formava o centro de sua produção literária. Não bastasse isso, próximo do fim de sua carreira, ele foi direcionando a sua criação cada vez mais para o reino do surreal e do misterioso. Daí, para quem já leu os meus contos, já deve ter visto muita semelhança (eu meio que elegi ele o meu padrinho...).
Não vou me comparar a ele, claro. Pelo menos, não ainda. Quem sabe no futuro. É como um aluno que admira o professor, que quer aprender todo o possível dele, e enquanto pode, suga todo o conhecimento. Para quem quiser conhecer suas narrativas curtas, pegue o livro: Contos da palma da mão. Eu infelizmente não tive a oportunidade de ler o livro, apesar de já conhecer algumas histórias.
Como esse post já está se alongando, prometo que publico a tradução (de minha autoria) de um dos contos na próxima quinta-feira, antes de viajar.